Quem é o dono de um meteorito

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

Os meteoritos são cientificamente importantes por duas razões principais: primeiro por terem se formado durante o início da história do sistema solar (alguns contêm ainda restos do sistema solar em seu estágio mais primitivo), e, segundo, por conterem informações muito valiosas relativas à composição físico-química do nosso sistema planetário desde a sua origem.

Quando a queda do meteorito é presenciada por uma ou diversas testemunhas, ou quando ele é achado no ponto da queda, logo após o seu impacto, é mais fácil reconhecer a sua natureza extraterrestre. Durante a queda, além do fenômeno luminoso, da bola de fogo e dos rastros, os meteoritos ao se aproximarem do solo, ainda durante a sua travessia, produzem sons análogos às explosões, aos estampidos e aos ruídos - um assovio - de um foguete e/ou avião a jato.

Mesmo quando se visualiza e se escuta o ruído, às vezes um estrondo, provocado respectivamente pela sua entrada na atmosfera e pela sua fragmentação, o fato do local da queda não ter sido registrado por testemunhas exige que se reúnam os vários depoimentos daqueles que o visualizaram, para que seja possível determinar a região provável do ebaconline. Só então será factível iniciar a sua procura entre as demais rochas que porventura existirem na região delimitada como provável área da queda. É um trabalho longo, que exige a organização de uma expedição para que seja possível encontrar os fragmentos do meteoro.

Neste caso específico, assim como nos casos dos meteoritos cuja queda não foi presenciada, é necessário o conhecimento de algumas características básicas dos aspectos de um meteorito para que se possa distingui-los das outras rochas. Para identificá-los devemos ficar atentos para o seguinte:

1. Os meteoritos, em geral, possuem uma crosta preta, formada quando a camada externa do objeto extraterrestre, derretida pelo calor gerado pelo seu atrito com as moléculas da atmosfera, se solidificou por resfriamento, ao atingir a superfície terrestre;

2. Os meteoritos quase sempre apresentam mossas, buracos, como se tivessem sido amassados, antes de sua solidificação;

3. Os meteoritos metálicos, constituídos de ferro e níquel, são atraídos por um ímã;

4. Os meteoritos pétreos "pesam", ou melhor, são mais densos que as pedras comuns.

 

Existem, em resumo, três grandes categorias de meteoritos: os pétreos, os metálicos e os mistos.

Entre os primeiros, os condritos são os mais comuns, correspondendo a mais de 85% das quedas. Eles possuem uma característica própria, os famosos condros - pequenas esferas cujas dimensões variam consideravelmente de um meteorito a outro. Esses condros são constituídos de olivina e de piroxeno, minerais ricos em ferro e magnésio, em uma matriz de silicato. Nenhuma rocha terrestre apresenta essas estruturas características dos materiais extraterrestres. Alguns condritos denominados carbonados contém carbono e são, em geral, considerados os mais primitivos.

Os acondritos são meteoritos pétreos desprovidos de condros. Sua identificação é mais difícil justamente por não possuírem os condros; eles são mais difíceis de serem distinguidos de um balsato terrestre. Muito menos freqüentes, os acondritos constituem cerca de 7% das quedas registradas. São compostos de plagioclases e de piroxenos.

Os meteoritos metálicos, constituídos essencialmente de ferro e níquel, são de mais fácil identificação em virtude do seu peso. Todavia, além do teste com ímã, o melhor meio de identificá-los é fazer um corte em uma parte de sua extremidade e, depois, polir esta superfície. Esta deverá em seguida ser atacada com ácido nítrico, quando então aparecerá uma rede de faixas escuras e claras que se entrecruzam - as figuras de Widmanstätten - desconhecidas em qualquer material de origem t

errestre.

Os meteoritos mistos, de natureza a um tempo metálica e pétrea, são os mais raros, constituindo cerca de 1% das quedas. Nesta categoria é encontrada os palasito, metal incrustado em pequenos cristais verdes de olivina.

Os planetas, inclusive a Terra, podem ser comparados a uma parte do enorme aglomerado de matéria retirada da nebulosa que deu origem ao sistema solar. Influenciados pela energia liberada pela desintegração dos elementos radioativos, pelos choques etc., estes globos, em estado bruto, sofreram ao longo do tempo, logo após a sua formação, um lento e longo processo de diferenciação. Os elementos, assim agrupados, se separaram, emigrando para as regiões a que os atraíam suas massas ou afinidades Assim, os elementos pesados, como o ferro e o níquel, se dirigiram para o centro, e os outros, mais leves, para a superfície. Desse modo surgiram os planetas como os conhecemos: com um núcleo central metálico envolto de um espesso manto, em geral recoberto de uma ligeira crosta de silicatos. Nas mais velhas rochas terrestres, datadas de cerca de 3,9 bilhões de anos, ainda subsistem traços de matéria primitiva, a partir da qual o planeta se consolidou. Assim, ocorreu com Marte, a Lua e os asteróides e, também com os meteoritos que se acredita sejam fragmentos de asteróides. Alguns milhares desses fragmentos que circulam entre Marte e Júpiter tem por hábito se chocarem entre si, retirando com seus impactos pedaços de dimensões variadas que passam a girar em órbitas que, às vezes, atravessam o caminho do nosso planeta, onde acabam caindo.

Os condritos parecem provir dos asteróides mais primitivos, que não sofreram processos de diferenciação. Os acondritos, mais evoluidos, provém das regiões equivalentes ao manto e/ou à crosta dos asteróides.

Tudo parece indicar que os meteoritos metálicos devem ser fragmentos de núcleos de asteróides suficientemente grandes, que desde o início devem ter sofrido uma diferenciação mais acentuada que os meteoritos pétreos.

Apesar de não existir lei específica relativa à posse dos meteoritos caídos e/ou encontrados no Brasil, vários países possuem leis relativas à propriedade e à guarda dos meteoritos achados em seu território.

Na Dinamarca, todos os meteoritos encontrados em seu território (exceto a Groenlândia) são automaticamente propriedade do estado. O contrário ocorre na Grã-Bretanha, onde o governo não reivindica nada de quem que encontrou um meteorito.

Nos EUA, os meteoritos encontrados em terras de propriedade do governo federal são enviados ao Smithsonian Institute. Na realidade, somente uma pequena porção deles tem seguido este caminho.

No Canadá e na Austrália, a administração pública impede a exportação de material meteorítico. Em 1986, a legislação australiana aprovou o Protection of Movable Cultural Heritage Act, em parte com o objetivo de proteger os meteoritos encontrados por acaso na Planície de Nullarbor. Controvertidamente, a mais rica fonte de meteoritos fora da Antártica, a planície de Nullarbor tem generosamente provido pesquisadores, como Alex Beven, do Museu da Austrália Ocidental, com uma valiosa coleção dos mais raros tipos de meteoritos que cairam nestes últimos 30.000 anos. Apesar da lei e dos esforços dos australianos para impedir o êxodo do seu tesouro cósmico, amostras nullarbianas são facilmente encontradas à venda entre os negociantes de meteoritos. Recentemente, um cientista da NASA foi procurado por um vendedor de meteoritos norte-americanos para analisar um raro ureilito de "origem desconhecida". Verificou-se, no entanto, que sua composição era identica a outro ureilito conhecido, proveniente da Planície de Nullarbor, e os traços de areia no exterior do meteorito não deixavam dúvida de que a amostra tinha sido ilegalmente importada da Austrália.

Bevan não tem dúvida em declarar que existe uma máfia de "piratas altamente organizados" e "corsários ricos". No exemplar de abril de 1993 da Mineralogical Society Bulletin, Bevan escreveu: "A nova raça de inescrupulosos negociantes dá pouca importância à herança científica ou à legalidade. Enquanto os negociantes freqüentemente justificam suas ações declarando que eles estão prestando um serviço à ciência, existem muitos indícios sugerindo que eles estão motivados unicamente por dinheiro".

Quando nenhuma lei é aplicada aos especificamente meteoritos, eles são em geral considerados como um recurso mineral, e desse modo pertencem ao proprietário de terreno onde foi encontrado. Várias disputas e contendas jurídicas têm surgido com referência à propriedade dos meteoritos. Uma das mais famosas refere-se à massa de 14 toneladas do meteorito de ferro Willamette, descoberto em 1902 por Ellis Hughes em terras de propriedade da Oregon Iron Company. Hughes afirmou que a massa tinha sido retirada de sua propriedade, quando então se anunciou a sua descoberta. Todavia, a companhia requereu sua volta e, em seguida vendeu o meteorito ao Museu de História Natural de Nova Iorque. Alguns anos mais tarde, os estudantes de Oregon solicitaram na justiça que a amostra fosse reconduzida à cidade de Willamette.

Publicado no Jornal do Commercio, Caderno Atualidades, 23 e 24 de fevereiro de 1997.

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