Clementine e a Água na Lua

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão (*)


A provável descoberta de um depósito de gelo na cratera Aitken, em 1995, pela sonda Clementine, além de reacender o sonho da colonização da Lua, colocou em evidência a importância da colaboração entre os militares e os civis na pesquisa científica.

Realmente, a sonda norte-americana Clementine, lançada da Base da Força Aérea dos EUA, em Vandenberg, em 25 de janeiro de 1994, por um foguete Titan II G, reciclado depois de ter passado 25 anos guardado nos silos dos mísseis balísticos intercontinentais em Arkansas, foi a primeira missão dos EUA à Lua desde o lançamento da Apollo 17, em 1972.

Essa sonda, construída pela BMDO - Ballistic Missile Defense Organization (Organização de mísseis balísticos de defesa), mais conhecido como "Star Wars" (Guerra nas Estrelas), foi desenvolvida para testar os mais avançados sensores de detecção de mísseis, assim como outros hardware. A qualidade desses dispositivos e os computadores a bordo fizeram da Clementine a espaçonave mais aperfeiçoada já lançada para mapear as superfícies rochosas da Lua e estudar o asteróide 1620 - Geographos. Jamais os militares norte-americanos haviam colaborado com os cientistas em um teste como esse. O projeto teve início em 1991, quando o Departamento de Defesa se associou à NASA para estudar como poderiam ser úteis à ciência os hardware desenvolvidos para os levantamentos efetuados pelas espaçonaves militares. Do ponto de vista militar, os instrumentos desenvolvidos para os mísseis antibalísticos, ao sobrevoarem um asteróide estariam sendo submetido a um teste de longa duração. Para a NASA, o projeto ofereceu a oportunidade única de enviar uma câmara multiespectral para a Lua e para um asteróide rasante à Terra. Apesar da natureza conjunta da missão, deve-se ter em mente que Clementine foi um dos primeiros subprodutos científicos de um teste militar.

O nome da missão é uma referência a uma velha canção (My darling Clementine) sobre a filha de um mineiro da época da Corrida do Ouro (Gold Rush). Como Clementine, ela foi realmente "lost and gone forever" (perdida para sempre) pois não existiam planos para enviá-la a nenhum outro alvo.

Depois de lançada, Clementine deixou a órbita de espera ou estacionamento ao redor da Terra no dia 27 de janeiro. No dia 3 de fevereiro atingiu o primeiro apogeu (169.655km) antes de realizar o primeiro sobrevôo da Terra, em 5 de fevereiro, à distância de 277km do nosso planeta. Em 10 de fevereiro, atingiu o segundo apogeu (385.869km), antes de voltar a sobrevoar a Terra, pela segunda vez, em 15 de fevereiro, à distância de 1141km. A partir desse ponto, a nave prosseguiu numa trajetória que a levou a entrar em órbita lunar, em 21 de fevereiro, onde permaneceu até 3 de maio, quando entrou em órbita ao redor da Lua. Nessa etapa da missão, Clementine passou a descrever uma órbita lunar e polar muito excêntrica, com perilúnio (ponto mais próximo à Lua) de 425km e um apolúnio (ponto mais afastado da Lua) de 8.300km. Nos dois meses seguintes, ou mais exatamente de 26 de fevereiro até 3 de maio, Clementine mapeou a Lua, com uma precisão jamais realizada anteriormente.

Depois de deixar a órbita lunar, a nave sobrevoou pela terceira vez a Terra, em 6 de maio, à distância de 19.134km e pela quarta vez, em 25 de maio, à distância 24.236km. Em 27 de maio, a sonda sobrevoou a Lua (distância de 7.342km) e seguiu em direção ao asteróide Geographos, que deveria sobrevoar, em 31 de agosto de 1994, à velocidade de 10,7km/s, não fosse uma falha em um dos computadores de bordo. Ao sobrevoar o asteróide a sonda iria tirar diversas imagens por segundo. Esperava-se que a máxima aproximação seria de 100km de distância de Geographos, o que não ocorreu em virtude de uma pane.

Na verdade, Clementine foi um teste do sistema de detecção de mísseis do Departamento de Defesa dos EUA, que envolveu duas agências militares: o Naval Research Laboratory, que construiu a espaçonave, e o Lawrence Livermore National Laboratory, que conduziu os experimentos do míssil. Do lado civil encontrava-se a Goddard Space Flight Center que projetou a trajetória da nave espacial e o Jet Propulsion Laboratory que desenvolveu a navegação e que deveria ter se ocupado do acompanhamento até Geographos.

Os equipamentos da Clementine foram notáveis. Uma câmara CCD nos comprimentos de onda visível e ultravioleta mapeaou a Lua com uma resolução de 125 a 325 metros de precisão que dependeu de da posição de Clementine em sua órbita. Durante a máxima aproximação de Geographos, o instrumento de mais alta resolução seria de 25 metros. A câmara do infravermelho próximo obteve na Lua uma resolução que variou de 200 a 500 metros, e, ao sobrevoar Geographos, deveria ser de 40 metros. A câmara infravermelha de comprimento de ondas longas foi usada como um sensor térmico. O altímetro laser LIDAR - Laser Imaging and Ranging - mediu a distância entre o alvo e a espaçonave com uma precisão de 40 metros, enquanto a mais alta resolução da câmara LIDAR CCD foi, na Lua, de 10 a 30 metros e, no Geographos, deveria ser de 5 metros. Um detector de partículas mediu os íons e os elétrons nas vizinhanças da espaçonave durante o vôo.

Foi, no entanto, o sistema de radar que, analizando o índice de polarização dos ecos proveniente do fundo da cratera Aitken, no pólo sul da Lua, que permitiu a provável descoberta de depósitos de gelo. Convém notar que qualquer substância líquida ou gasosa, ao se solidificar, apresenta os mesmos índices de polarização do gelo, como por exemplo, as geleiras de metano existentes em Tritão, satélite de Netuno.


Publicado no Jornal do Commercio em 15 de dezembro de 1996



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